
27/01/2021
Habilidades socioemocionais: incentivando a comunicação em família
Raul Spitz, psicólogo e consultor do LIV, fala sobre os desafios da comunicação entre pessoas, especialmente no ambiente familiar. Confira também recomendações para se comunicar melhor com crianças e adolescentes!Comunicação é uma das questões mais difíceis para o ser humano e, ao mesmo tempo, é também uma das habilidades socioemocionais mais importantes para nossa convivência em sociedade. Não à toa, o renomado psicólogo Jacques Lacan dizia que podemos ter a certeza absoluta do que estamos falando, mas nunca vamos saber ao certo o que o outro escuta. Afinal, por mais próxima que uma pessoa seja, é impossível saber o que ela está pensando ou sentido.
Por isso, além do conteúdo, a forma como nos comunicamos é um fator importante para estabelecer a famosa “ponte” entre quem se expressa e quem recebe a informação do outro lado. Em família, isso não é diferente. Porém, em casa, embora a comunicação aconteça o tempo todo, nem sempre ela parece satisfatória, e não é incomum encontrar pais, mães e filhos que relatam dificuldades nesse ponto.
Por que, afinal, uma boa comunicação parece ser tão complexa e difícil de se alcançar? E de que forma é possível incentivar uma relação saudável entre aqueles que convivem juntos? Para nos ajudar a refletir melhor sobre essas perguntas, convidamos o psicólogo e consultor pedagógico do LIV Raul Spitz, que ofereceu algumas recomendações para as famílias.
Você pode assistir ao conteúdo no vídeo a seguir ou conferir os destaques na continuação do texto abaixo:
3 perguntas e recomendações sobre comunicação em família
- Embora nos comuniquemos o tempo todo, nem sempre essa comunicação parece satisfatória. Em família, por exemplo, não é incomum encontrar pais, mães e filhos que relatam dificuldades para falar uns com os outros. Por que, afinal, uma boa comunicação parece ser tão complexa e, por vezes, difícil de alcançar?
Citando o psicanalista Jacques Lacan, Raul Spitz explica que a comunicação é sempre um desafio porque podemos ter certeza do que falamos para outra pessoa quando nos comunicamos com ela, mas a gente nunca vai ter certeza do que essa pessoa escutou ou entendeu, simplesmente porque somos diferentes uns dos outros.
“A gente nunca vai ter acesso a como essa pessoa estava se sentindo, se estava concentrada, com raiva, se estava sofrendo, se estava ansiosa, se estava no mundo da lua… Isso tudo sugere que existem os famosos ruídos, que vão sempre atravessar comunicação entre uma pessoa e outra”, diz o psicólogo.
Mas, sabendo desses ruídos, o que podemos fazer para minimizar essas questões e favorecer uma comunicação mais possível entre as pessoas à nossa volta, principalmente em se tratando de família? Para Spitz, a resposta pode estar em encontrar a melhor forma de se comunicar com cada pessoa. “É achar uma forma mais possível, uma forma que me vista bem, que caia bem ao meu filho, à minha filha, ao meu companheiro, ao meu parente etc., pois sabemos que a comunicação na família, na maior parte das vezes, é atravessada pelas emoções, seja raiva, insatisfação, decepção, alegria, tristeza, entre outras”.
Para Raul, outro ponto da comunicação que pode gerar ruído é confundir a pessoa que fez alguma coisa que não gostamos com o ato que ela executou. “É muito legal poder saber que o que nos deixou com raiva é alguma coisa nossa, não foi nosso filho, e talvez nem o ato, mas alguma coisa nossa manifestada pelo que ele fez”.
-
Que aspectos relacionados à comunicação o cenário de pandemia revelou para as famílias?
De acordo com o psicólogo e consultor do LIV, com a pandemia, muitas famílias foram obrigadas a rever suas relações, sentimentos e espaços no ambiente compartilhado de suas casas. “A nossa proximidade intensa fez com que muitas vezes a gente tenha perdido a possibilidade de evitar alguns tipos de manifestação de emoções que a gente, como adulto, sabe muito bem fazer. Eu não quero falar para meu filho que eu tenho medo, eu não quero falar para meu filho que eu não sei, que eu não tenho respostas. A pandemia escancarou o nosso ‘não-saber’ em nossas testas”.
Nesse sentido, ele diz ainda que muitas famílias buscaram encontrar, na rotina, um momento em que não misturassem as emoções, construindo um desenho de que, mesmo em uma casa única, elas poderiam criar espaços para que as pessoas pudessem exercer suas individualidades. “Precisamos construir, dentro de um espaço coletivo, em comunhão com os outros, uma realidade nova. E seria muito importante a gente ainda manter, dentro desse espaço em comum, aquele espacinho no qual possamos desenvolver apenas a nossa individualidade”, explica.
-
De que maneira é possível incentivar mais a comunicação em família?
Para incentivar a comunicação, Raul aposta no diálogo. “É uma tecla muito repetida, mas é importante. E o diálogo precisa ser buscado por nós, adultos. Não adianta a gente achar que a criança ou o adolescente tem a mesma responsabilidade que a gente na busca de uma tentativa de conversa aberta, de troca mútuas. Precisamos estar nesse controle como pai ou como mãe. Esse foco no adulto é importante para dar a criança ou ao adolescente a chance de eles se desenvolverem”, explica.
Nesse sentido, o psicólogo faz quatro recomendações para pais e mães, utilizando exemplos comuns do dia a dia em família, e que ajudam a compreender momentos em que uma comunicação mais eficiente poderia ajudar. Confira:
-
Foco em quem fala
“Quando alguém ou o filho da gente traz uma comunicação ou vai falar alguma coisa com a gente sobre alguma coisa da vida dele, e ele traz isso como sendo protagonista, às vezes reagimos dizendo: ‘Comigo aconteceu a mesma coisa, filho, e quando aconteceu comigo eu fiz assim, assim, assado…’. Parecemos estar indo em um caminho muito legal de diálogo, mas se atentarmos bem, quando nos colocamos constantemente, tiramos o foco do filho e colocamos em nós. A gente tira dele a oportunidade de falar e narrar o que está acontecendo para dar nós e direcionamento no que ele tem que fazer. É legal saber o que é nosso e o que é dele”.
-
Evite o excesso de aconselhamentos
“Às vezes, a gente quer aconselhar a todo momento, achando que seremos um paizão, uma mãezona. Mas, por exemplo, o filho conta algo, ficamos angustiados e começamos a falar: ‘Olha, se eu fosse você, eu faria aquilo; se eu fosse você eu não assumiria isso não; se eu fosse, eu deixava de lado’. É legal fazer isso às vezes, mas cuidado com o excesso de aconselhamento, porque, às vezes, com esse excesso a gente deixa de fazer com que nosso filho ou nossa filha trilhe seu próprio caminho, crie suas próprias soluções”.
-
Fuja do excesso de interpretação
“ Muitas vezes, nosso filho ou nossa filha só quer conversar para falar, elas não precisam que a gente fale nada. Deixe-os poder criar entendimento, porque esse excesso de ficar interpretando todos os atos muitas vezes também podem sufocar nosso filho ou nossa filha. Vamos tentar dar oportunidade e oxigênio para eles poderem trilhar o caminho pessoal deles.”
-
Respeite a dor do outro
“Outro ponto é a dor do outro, que muitas vezes é a nossa confusão com nosso filho. Eu lembro do meu filho quando ele tinha dois anos, que ele desceu rapidamente da cama e começou a chorar dizendo que o pezinho dele estava doendo. ‘Ai, ai, está doendo meu pé!’. Eu falei: ‘Filho, não está doendo nada, não tem problema nenhum. Pode parar com isso porque não doeu!’. Depois eu fiquei pensando, ‘não era no meu pé, era no pé dele, que direito eu tinha de falar para ele que não estava doendo se não foi no meu pé e foi no pé dele?’. Muitas vezes, nos confundimos com o outro e deixamos de dar oportunidade para o outro dar sequência a seus próprios entendimentos e suas próprias dores”.
***
Quer ler mais recomendações e indicações de leitura para famílias? Veja mais indicações a seguir:
O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.