19/04/2023
As armadilhas da internet e como orientar crianças e adolescentes a evitá-las
As imagens do Papa Francisco vestido com um casaco de grife branco, daqueles acolchoados, bem diferente das habituais vestes religiosas, correram o mundo recentemente. A troca de estilo do pontífice virou até tema de reportagens de moda.
No Brasil, a trama da novela das nove, Travessia, também tem causado burburinho: uma personagem adolescente vem sendo enganada por um pedófilo, com quem se comunica virtualmente. Ele se utiliza de tecnologia para mudar sua voz e aparência, fazendo a menina crer que conversa com uma outra pessoa da sua idade.
Embora os dois assuntos, aparentemente, não tenham nada em comum, estão muito ligados. Ambos são deep fakes, simulações geradas pela inteligência artificial que, de tão realistas, levam muita gente a achar que são, de fato, verdadeiras.
Se as deep fakes são capazes de enganar os mais experientes, tente imaginar o risco entre crianças e adolescentes, muitas vezes menos críticos e mais vulneráveis a diversas armadilhas. E aqui os pais se perguntam: qual a linha que separa a privacidade dos filhos da necessidade de um controle em prol da segurança?
É proibido proibir? E vigiar, pode?
Diante das deep fakes e demais ameaças que podem chegar pelas telas, muitos pais também recorrem à tecnologia para acompanhar o uso que seus filhos fazem da internet. Há desde aplicativos que impedem o acesso a determinados conteúdos até aqueles “espiões”, que mostram por onde as crianças e adolescentes navegam.
Mas será que proibir e vigiar são os melhores caminhos? Afinal, quais são os limites do direito à privacidade, mesmo que ela implique em alguns riscos? Para Daniel Moraes, consultor pedagógico do LIV, a discussão é delicada e passa também por uma diferenciação que os adultos insistem em fazer, mas que, na opinião dele, não é necessária:
“Os adultos tendem a separar o mundo virtual do físico, mas os jovens já nasceram sem distinguir um do outro. Quando a gente se dá conta de que se trata da mesma coisa, o entendimento da família fica mais fácil. Se ela sabe educar no mundo analógico, vai certamente saber no virtual”, diz.
Na prática, como lidar?
Depois que percebemos que é preciso agir sempre da mesma forma, seja em qual realidade for, fica mais fácil compreendermos que proteger as crianças diante das telas não é muito diferente de mantê-las a salvo na pracinha.
“A criança não precisa ganhar a confiança dos pais para ter a chave de casa? Para navegar na internet, é a mesma coisa. Ela poderá usar quando aprender preceitos básicos, como desconfiar de estranhos, respeitar sempre o outro. É preciso estabelecer limites e segurar a mão da criança na internet, assim como fazemos ao atravessar a rua. Depois, vamos soltando”, diz Daniel.
O consultor pedagógico do LIV avalia que mecanismos de controle parental são válidos para crianças menores, mas chama a atenção para o fato de que, caso queiram, elas conseguem burlar as restrições. Muito mais produtivo, defende, é estabelecer uma relação de confiança, com um canal aberto para o diálogo. Na prática, pequenas atitudes podem ajudar:
“A melhor prevenção é sempre a informação. Para orientar sobre os perigos, inclusive das deep fakes, vale assistir TV com os filhos e comentar notícias sobre pessoas enganadas pela internet, mostrar reportagens sobre armadilhas. Os pais podem mostrar que eles mesmos também estão vulneráveis e podem ser vítimas de fraudes e enganos. É preciso refletir junto dos filhos sobre esses temas”, recomenda Daniel.
Em relação ao debate sobre proteção e invasão de privacidade, o especialista LIV argumenta que, no caso de adolescentes, uma postura de vigilância constante não se sustenta. “Quando um adolescente está numa roda de amigos, algum pai ou mãe fica atrás, tentando ouvir a conversa? Coloca um gravador escondido? Claro que não. Por que na internet faria isso?”. Mais uma vez, a confiança e os ensinamentos construídos no dia a dia são fundamentais, avalia.
É necessário, no entanto, ficar atento. Sinais como fechar o computador correndo quando alguém entra no quarto, recusa ou perda do interesse por atividades ou amizades não virtuais, ou o descumprimento de algum combinado estabelecido, são pontos de alerta e marcadores para chamá-lo para uma conversa. “É uma linha tênue entre supervisionar e invadir”, reconhece Daniel.
É importante desenvolver o pensamento crítico dos jovens
As habilidades socioemocionais são aliadas em todos os aspectos da vida, e não é diferente quando falamos do uso da internet. O pensamento crítico, trabalhado no programa LIV, ajuda as crianças e adolescentes a fazerem questionamentos nas realidades física e digital.
Quando eles desenvolvem o pensamento crítico, podem desconfiar de um conteúdo ou abordagem fora dos padrões. No caso das deep fakes, conseguem questionar: será que essa pessoa que está entrando em contato comigo, que eu nunca vi, é mesmo quem diz ser? Como posso descobrir? O mesmo acontece quando algo é muito inusitado: será que o Papa usaria mesmo esse casacão?
Outra habilidade que pode ajudar em eventuais crises é a da comunicação. Pais que conseguem manter uma escuta ativa vão conseguir identificar perigos com mais facilidade, já que os filhos se sentirão mais à vontade para falar o que se passa com eles. A escola também pode ser uma aliada ao estabelecer espaços seguros de fala.
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O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.