Blog
Todas as publicações

Congresso LIV 2025: veja o que rolou na 1ª mesa de debates sobre juventude e mundo digital

Adolescência conectada e jovens desconectados: olhares sobre a juventude atual foi o tema da mesa de abertura do 6º Congresso Socioemocional LIV, que aconteceu no dia 21 de maio, no Rio de Janeiro. A partir de suas áreas de conhecimento, a juíza da vara da infância e juventude do Rio de Janeiro e autora do protocolo Eu Te Vejo, Vanessa Cavalieri; o pediatra e ativista pela infância, Daniel Becker; e a psicanalista e pesquisadora dos efeitos da ciência sobre a adolescência contemporânea, Fernanda Costa Moura, refletiram sobre os desafios de se educar crianças e, principalmente, adolescentes diante do mundo digital.

“Essa mesa reflete um pouco do que o LIV é. São pessoas de campos de pensamentos diferentes pensando sobre temas complexos”, comentou o mediador da conversa, Caio Lo Bianco, CEO e idealizador do LIV e Mestre em educação pela Universidade de Columbia. 

Violência e Internet

A relação entre o ambiente digital e os comportamentos violentos entre os jovens, assim como a responsabilidade das famílias no monitoramento do que é consumido na internet, foram alguns dos temas centrais abordados pela juíza Vanessa Cavalieri durante a mesa.

 

Congresso LIV 2025: veja o que rolou na 1ª mesa de debates sobre juventude e mundo digital -LIV Inteligência de Vida

Vanessa destacou desde fatos extremos — como o uso de plataformas digitais em que meninas são torturadas e violentadas sexualmente enquanto meninos assistem como forma de entretenimento — até situações que, embora pareçam ser vistas como menores por muitos adultos, representam o início de uma escalada de violência contra as mulheres.

Entre os exemplos, ela citou grupos de WhatsApp onde crianças — muitas ainda sem idade mínima para estarem na plataforma — compartilham conteúdos misóginos e discriminatórios, sem qualquer reação por parte das famílias ou responsáveis. “E ninguém se posiciona contra isso, nem as famílias, que deveriam estar monitorando”, destacou.

A fala da juíza reforça a importância da educação digital, da escuta ativa e da presença das famílias na vida digital de crianças e adolescentes — como forma de cuidado e orientação.

 

Não existe privacidade na Rede

“A Internet é a rua, uma rua virtual, que não é segura”, afirmou a juíza Vanessa Cavelieri durante a conversa, ressaltando que monitorar os filhos na rede é tão importante quanto supervisioná-los quando não estão em casa. A especialista lembrou que adolescentes não têm maturidade para estar sozinhos na Internet e que, por isso, não adianta apenas ensinar a “não falar com estranhos”, mas, que é preciso estar por perto para garantir que isso não aconteça.  

“Precisa de educação digital, precisa conversar, precisa orientar, mas precisa lembrar também que estamos falando de pessoas em desenvolvimento e que a nossa expectativa tem que ser compatível.” 

A juíza destacou ainda que muitas famílias deixam de exercer esse papel por receio de invadir a privacidade dos adolescentes. Sobre esse ponto, Vanessa foi direta ao lembrar que a internet é um ambiente público, onde tudo pode ser rastreado, e que, muitas vezes, apenas os pais parecem tratar esse espaço como totalmente privado.

Ela também observou que acordos são possíveis — como, por exemplo, respeitar interações mais íntimas, como mensagens trocadas com um(a) namorado(a) ou um(a) melhor amigo(a). No entanto, reforçou que grupos de WhatsApp com dezenas de participantes dificilmente podem ser considerados espaços de comunicação privada.

Direto do Congresso Sociemocional LIV: Vanessa Cavalieri fala sobre a importância de supervisionar jovens nas redes sociais.

A perda do “mundo real”

Durante a mesa, o pediatra Daniel Becker deu um panorama sobre como a hiperconectividade tem afetado a saúde mental e física dos jovens. Para ele, o sofrimento vivido por crianças e adolescentes tem duas dimensões centrais, que são a perda do mundo real e a substituição desse mundo por um conteúdo totalmente inapropriado.

Daniel ressaltou que a infância e a adolescência vividas nas telas fazem com que essas crianças e jovens percam todos os elementos que formaram a espécie humana como ela é hoje, como o contato com a luz solar, com o movimento e com o outro, através de interações, brincadeiras e até brigas e transgressões.  

Congresso LIV 2025: veja o que rolou na 1ª mesa de debates sobre juventude e mundo digital -LIV Inteligência de Vida

“Nesses momentos, principalmente primeira infância e adolescência, se dão fenômenos complexos no corpo e no cérebro que são indispensavelmente ligados a experiências do mundo real”

De acordo com o pediatra, o resultado desse afastamento do mundo real são:

  • Transtornos físicos (como miopia, sedentarismo, fraquezas e doenças crônicas por causa de falta de movimento);
  • Problemas cognitivos (como atenção completamente fragmentada e dificuldade de ler e prestar atenção na aula, por exemplo);
  • Problemas comportamentais (como hiperatividade, distúrbio de sono e dificuldade de socialização)


Além das questões ideológicas, muitas vezes alimentadas por conteúdos nocivos, violentos, intolerantes e racistas.

Direto do Congresso Sociemocional LIV: Daniel Becker fala sobre impactos das telas na infância e na adolescência

As meninas sofrem ainda mais

Além dos desafios comuns a adolescentes de todos os gêneros, Daniel chamou atenção para como certas experiências afetam especialmente as meninas. Ele destacou que, por passarem mais tempo nas redes sociais e estarem mais expostas a padrões de aparência e estilo de vida idealizados, muitas delas acabam sentindo uma pressão maior sobre a forma como são vistas. Acompanhando influenciadoras que exibem rotinas marcadas por corpos, viagens e consumos muitas vezes inatingíveis, essas jovens podem experimentar sentimentos de inadequação e sofrimento — um impacto silencioso, mas profundo.

De acordo com o pediatra, essa comparação constante pode abalar a autoestima das meninas e gerar sentimentos de inadequação em relação ao próprio corpo. Isso, em alguns casos, leva à busca por dietas ou treinos extremos e até à substituição do brincar pelo uso precoce de produtos cosméticos — sinais de uma infância impactada por padrões difíceis de alcançar.  

“É uma deformação da infância tão grave, uma adultização. Quando a infância não brinca e quer ser bonita, porque ela precisa ser bonita, a gente está destruindo a infância. E a infância é fundamental para a saúde vital, para tudo na vida” 

Daniel também chamou atenção para formas de bullying entre meninas, que muitas vezes passam despercebidas por não envolverem agressões físicas, mas que são igualmente prejudiciais. Segundo o pediatra, esse sofrimento, embora silencioso, pode ser profundo e se manifestar em sinais importantes, como o aumento de casos de automutilação, ansiedade e depressão. Ele alertou, ainda, para dados preocupantes: já há registros de crianças muito pequenas, com apenas 4 anos, expressando ideias suicidas — uma realidade dura que exige acolhimento, escuta e atenção. Em 2023, segundo Daniel, o SUS registrou mais atendimentos por ansiedade em crianças do que em adultos.

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança

A psicanalista e pesquisadora Fernanda Costa Moura mostrou, durante a mesa, que as questões vividas por crianças e adolescentes não são, exclusivamente, um problema das famílias, das escolas ou do Estado — e, sim, de toda a sociedade.

Mas, segundo ela, essa visão mais ampla tem sido cada vez mais difícil de ser percebida e assumida, justamente porque envolve reconhecer a responsabilidade individual dentro de um contexto coletivo.

“Estamos todos juntos fazendo o mundo, e as crianças vão tomar lugar no mundo que a gente está fazendo.”

De acordo com Fernanda, os adultos não estão de fora do “jogo” que olham com preocupação, pois estão tão invadidos por esse modo de vida quanto as crianças e os adolescentes. E o que muda são as consequências e responsabilidades. 

A psicanalista destacou que os adultos, apesar da possibilidade do fracasso, precisam conseguir impor limites aos jovens, mostrando que a incompletude existe, mesmo não sendo mostrada na Internet. Mas, para Fernanda, hoje parece haver uma crise quanto ao exercício da autoridade, porque muitos adultos só conseguem exercê-la pela força ou pelo poder e não a partir do cuidado e da responsabilidade, como deveria ser. 

Fernanda pontuou, ainda, que não, necessariamente, a tecnologia está indo em uma direção que favorece a vida humana, por isso, todos precisam tomar lugar nessa discussão e fazer com que a tecnologia, de alguma maneira, contemple aquilo que favorece verdadeiramente a humanidade.

“A tecnologia, o mundo, o ritmo que nos é imposto, de alguma maneira, vai sem deixar lugar para que a gente escolha a direção para onde a gente está indo. E essa é a nossa tarefa: ser alguma voz que diga para onde essa tecnologia está nos levando e para onde a gente quer ir.”

Quer conferir mais conteúdos sobre o Congresso Socioemocional LIV 2025? Acesse: https://materiais.inteligenciadevida.com.br/congresso-socioemocional-liv-2025 

Veja também: Qual a importância do letramento digital

 


Navegue por tags:



O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.