
12/06/2023
Jorge Larrosa fala sobre o papel da escola e a importância do encantamento
O papel da escola vai muito além de ensinar idiomas, história, matemática e outras disciplinas. Ela é um microcosmos do mundo, onde as crianças aprendem a se relacionar com o outro, a enfrentar desafios. É também o ambiente no qual as habilidades socioemocionais são desenvolvidas. Por isso, educadores de todo o mundo dedicam-se a refletir como potencializar tudo o que a escola representa e fazê-la se tornar ainda mais significativa. E o LIV também participa dessa discussão.
Por isso, convidamos um dos nomes mais inspiradores da educação, o filósofo Jorge Larrosa, que dá aulas de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona, na Espanha, para o evento LIV Aproxima, que reuniu, em São Paulo, representantes de escolas parceiras de todo o país. Na sua palestra, o professor, que é doutor em Educação, defendeu que a tarefa da escola inclui, é claro, ensinar a ler e escrever, mas vai muito além disso.
Para ele, cabe à comunidade escolar e ao professor a responsabilidade de apresentar o mundo ao aluno. E, mais do que isso, fazer com que ele se torne significativo para a criança e o adolescente.
“A tarefa da escola, e do professor, é animar o mundo (vitalizá-lo, trazê-lo à vida). Fazer que o mundo fale, que seja significativo. Fazer que o mundo seja importante em si mesmo (e não pelo seu uso ou pela sua utilidade). Fazer que seja interessante. Fazer com que as crianças estejam comprometidas e implicadas com o mundo. Porque o mundo merece respeito, cuidado. Porque o mundo tem autoridade. A tarefa da escola é fazer com que as crianças estejam atentas ao mundo. Que estejam presentes no mundo. O centro da educação não é o professor, não é o aluno, é o mundo. Daí talvez a famosa frase de Paulo Freire: “ninguém educa a ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam-se entre si pela mediação do mundo”. O que está no meio é o mundo”
Para reforçar seu ponto de vista, Larrosa citou um trecho do livro Defesa da Escola, de Jan Masschelein e Maarten Simons, que afirma que educar uma criança não diz respeito apenas à socialização, adoção de valores da família, da comunidade ou da sociedade, ou desenvolvimento de capacidades. “É transformar o mundo em algo que fale a ela. É encontrar um caminho para fazer que as matemáticas, o inglês, a cozinha e a carpintaria sejam importantes em si mesmas”.
Como a escola pode tornar o mundo mais significativo para a criança?
A pergunta que todos os educadores se fazem é como apresentar o mundo e torná-lo significativo para as crianças e adolescentes. Não existe, é claro, uma receita mágica para isso, mas Larrosa apontou, durante o evento, alguns caminhos que podem ser seguidos.
“Em primeiro lugar, disse, é preciso que o professor esteja, ele próprio, em estado de encantamento pelo mundo. Sabe aquele brilho nos olhos, a paixão por um assunto? Entendemos que nem sempre é fácil alcançá-lo, ainda mais se considerarmos a sobrecarga do cenário sociopolítico atual. Mas o ponto é que ele pode funcionar muitas vezes como ímãs, despertando a atenção das crianças, ajudando-as a desenvolver a própria capacidade de se maravilhar”.
“Tenho uma visão um pouco antiga porque penso que para fazer que uma pessoa se encante pelo mundo precisamos estar encantadas pelo mundo. Desde Platão, a gente sabe que só o amor produz amor. Um professor que ama sua matéria é capaz de transmitir amor, um professor que não ama, não é capaz”, disse o filósofo.
“Temos que saber quem são os encantadores ruins e os encantadores bons”
Mas, será que basta amar um tema para encantar os alunos e fazê-los ter os mesmos sentimentos pelo mundo que é apresentado? Larossa sabe que não é fácil e reconhece que o processo de aprendizado enfrenta, sim, dificuldades. Afinal, a competição pela atenção de crianças e adolescentes – e, reconheçamos, a dos adultos – tem sido forte. A indústria do celular, a internet e a tecnologia têm um magnetismo que ninguém pode ignorar.
“Encantam porque querem mercantilizar o interesse das crianças, querem vender alguma coisa. Temos que ter cuidado para começar a distinguir entre um encantamento interessante e um encantamento puramente comercial. Temos que saber quem são os encantadores ruins e os encantadores bons”, explicou.
Protagonismo é do mundo, não da criança
Outro ponto que Larrosa abordou na sua palestra para educadores de escolas parceiras do LIV foi a necessidade que professores e escolas têm de fazer os alunos entenderem que eles não são os protagonistas do mundo e que há muito mais a ver do que a si mesmos.
“Acho que (a escola) tem que fazer o que sempre fez: ensinar as crianças a ler e escrever, colocar coisas interessantes em cima da mesa, tentar que a criança se interesse por coisas que não sejam seu próprio umbigo. Nesta época, está especialmente complicado porque o narcisismo é produzido sistematicamente. A primeira coisa que as crianças escutam é que o mais importante no mundo é ela”, criticou.
O papel da beleza na educação
O filósofo e doutor em Educação, que durante a sua passagem pelo Brasil aproveitou para autografar seu livro mais recente, “Elogio do Estudo”, também discorreu sobre a relação entre a educação e a beleza, que, para ele, torna o mundo amável.
“Se a escola ainda tem alguma possibilidade de vincular as pessoas com o mundo, eu não vejo outra forma que não seja pela beleza. A vinculação não pode ser pelo utilitarismo. A pergunta que sempre aparece é ‘para que serve o estudo?’. Quando você diz ‘para nada’, tem que imediatamente acrescentar: ‘porque é lindo’”.
O encantamento com o mundo, o interesse por ele, do qual fala Larrosa, perpassa pelas emoções e sentimentos, na construção de uma educação que tenha sentido e que também faça sentir. A tarefa não é fácil, mas o LIV apoia as escolas parceiras para que essa construção aconteça.
Se você se interessou pelo que Larossa pensa, conheça um pouco mais de suas reflexões na entrevista que fizemos com ele no ano passado e se encante!
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O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.