
29/07/2024
Saiba o que a prática de esportes ensina para a vida
Seja na escola, no playground ou para competir nas Olimpíadas!As Olimpíadas de Paris já começaram e muita gente tem acompanhado as provas, de olho nos seus atletas favoritos ou tentando conhecer novos talentos. As disputas entre os melhores do mundo, em tantas modalidades esportivas, é um espetáculo que vale a pena assistir, mas também uma oportunidade para refletirmos: como os competidores chegaram até lá?
A resposta mais óbvia seria: suor, lágrimas e muito treino. Mas essa combinação, por si só, não explica a capacidade dos atletas de alta performance de lidar com tanta pressão pela vitória, com a frustração pelas derrotas, as restrições alimentares exigidas ou com o enorme esforço físico necessário.
Uma possibilidade por trás do “segredo” dos atletas olímpicos é que quase todos, ao longo de suas carreiras, puderam desenvolver, em maior ou menor grau, habilidades socioemocionais e inteligência emocional. São elas que ajudam os competidores (e a todos nós) a identificar diversas emoções, como frustração, raiva, alegria, e a lidar com elas da melhor forma possível.
“A educação socioemocional é um dos suplementos que o atleta precisa ter ao longo do seu percurso. Assim como ele faz uma preparação física, é importante que tenha uma preparação socioemocional. O autoconhecimento, por exemplo, fará com que ele reconheça seus limites, entenda o que mexe com ele e o que o deixa mais ou menos concentrado. Já a autorregulação fará com que ele renuncie a determinados alimentos, a momentos com os amigos, para focar no seu objetivo”, diz Maira Maia, supervisora pedagógica do LIV.
Esportes também ensinam sobre como lidar com o outro
Os esportes coletivos, diz Maira, também são uma ótima oportunidade para se botar em prática a capacidade de lidar com o outro, que, por ser diferente de nós, nem sempre vai agir ou pensar da mesma forma. Basta assistir uma partida, ou mesmo entrar na quadra, para entender que a educação socioemocional nos torna mais aptos a enfrentar os desafios de fazer parte de um time, seja ele numa Olimpíada, na escola ou no playground.
Em esportes individuais, a educação socioemocional e a inteligência emocional também são importantes ao desenvolverem a empatia: apesar do desejo de vencer, é possível aprender a vibrar pelas conquistas do outro.
“É muito comum ver a cena das skatistas incentivando outras competidoras que não foram bem naquela rodada de apresentação ou vibrando por uma manobra bem executada pela adversária”.
Nos jogos e na vida, é preciso lidar com a frustração
Outro aspecto dos jogos que também é importante, e deve ser levado para outras esferas da vida, é a capacidade de lidar com a frustração e entender como suas atitudes podem afetar os outros ao redor. Nem sempre a gente vai conseguir chegar ao pódio, tirar uma boa nota na prova, conseguir o emprego dos sonhos.
Porém, por mais que a frustração incomode, ela pode também, diz Maira, abrir as portas para diálogos construtivos com as crianças e adolescentes.
“A frustração, embora não seja muito agradável, faz parte dos nossos processos de aprendizagem, assim como o erro, como o desejo por continuar tentando. Então, tentar apartar a frustração do processo de desenvolvimento das nossas crianças, seja no esporte ou fora dele, não costuma ser o melhor caminho. Se a criança tiver vivido alguma frustração em um campeonato, em algum movimento esportivo ao qual ela se dedicou bastante, você pode encontrar ali uma possibilidade de conversa sobre como muitas vezes existem coisas que estão para além do nosso alcance, não só no esportes, mas no dia a dia”.
Focar na saúde mental vale mais do que qualquer medalha
As pressões no esporte, e na vida, são intensas. Por isso, manter os cuidados com a saúde mental em dia e focar em nosso bem-estar físico e emocional é fundamental. Foi o que fez, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a ginasta americana, Simone Biles, que tomou a decisão de se retirar das competições por não estar aguentando as pressões e expectativas em torno dela.
“Não precisamos ser resilientes e resistentes a tudo. A lição que tiramos desse episódio é que a saúde mental deve ser priorizada. A perseverança não está ligada apenas a não desistir, mas também a saber a hora de parar, de mudar a rota. Talvez se a Simone Biles não tivesse tomado aquela decisão, ela não conseguiria continuar no esporte”, explica Maira, acrescentando que podemos levar o exemplo para o dia a dia das famílias. “Cobramos de nós mesmos, dos nossos filhos, dizemos que não podemos desistir. Mas o autoconhecimento, aliado à perseverança, é importante para entendermos qual é o nosso limite”.
Como incentivar crianças a praticar esportes sem tanta pressão?
A prática de esportes traz muitos benefícios, mas, na hora de incentivar as crianças a praticar esportes, muitas vezes os cuidadores podem ficar tão entusiasmados em apresentar as modalidades que mais gostam que acabam não mostrando as demais, existentes. Mais uma vez, lembra Maira, é importante lembrar que os filhos não são uma extensão dos pais e podem ter gostos próprios, que precisam ser respeitados.
“Devemos entender qual é a modalidade que a criança mais se conecta. Nem sempre vai ser aquela mais popular ou a que a família gosta. É importante apresentar e respeitar o gosto das crianças. Este pode ser um grande momento em família e que vai gerar uma lembrança afetiva”, diz Maira, lembrando que os pais também não devem exigir que crianças e adolescentes sejam os primeiros em tudo.
O papel das escolas, nas aulas de educação física, nas quais os esportes coletivos costumam ser praticados, também deve ser pensado, diz Maira. Incentivar a competição, diz, não é interessante para o desenvolvimento das crianças e pode acirrar conflitos já existentes em uma turma, por exemplo.
“É preciso entender que a competição, por si só, não é vilã, tem um papel interessante, de engajamento, de motivação do coletivo, de busca de metas. Entretanto, a competição, sem pensamento crítico e colaboração, não é válida, e as escolas precisam mostrar isso aos alunos”.
Extra: entrevista com a atleta brasileira de Wrestling, Giullia Penalber
Sabemos que todo atleta quer ganhar a competição, mas, nem sempre, isso acontece. Como você aprendeu a lidar com a frustração e os momentos de pressão?
Atletas de alto rendimento lidam com esses sentimentos praticamente todos os dias nos treinamentos e competições. Nós buscamos nossa melhor versão diariamente, mas, com o tempo, entendemos que a partir dessas pequenas ou grandes frustrações vemos de forma mais clara o caminho para a evolução. É um processo de resiliência constante e um dos maiores aprendizados que o esporte nos proporciona.
Você mencionou em um post nas suas redes sociais a importância de se mostrar vulnerável. Como reconhecer suas vulnerabilidades ajudou na sua jornada como atleta?
É desafiador se colocar numa posição de vulnerabilidade, pois nos sentimos “fracos”. Mas, nesses momentos, conseguimos ter mais clareza sobre os pontos que podemos melhorar e nos entregar ao processo de superação. Isso aconteceu algumas vezes no decorrer da minha carreira, mas a mais recente foi uma amarga derrota no pré-olímpico continental, na qual eu era uma das favoritas e fui eliminada na primeira rodada. Através dessa frustração, me senti acolhida pelas pessoas que mais amo, entendi que deveria ser mais compassiva comigo e pude trabalhar para ressignificar meu caminho. Na minha última chance de classificação, consegui a tão sonhada vaga olímpica.
Na sua visão, qual a importância do esporte para o desenvolvimento emocional e relacional de crianças e adolescentes?
O esporte é uma das maiores ferramentas de formação do ser humano. Durante a prática e em competições, lidamos com um turbilhão de emoções, desenvolvendo uma maior autoconfiança, capacidade de trabalho em grupo, entre outras habilidades que aumentam a tendência de serem adultos com um entendimento profundo das suas emoções e com boa capacidade de comunicação.
Para você, o preparo mental é tão importante quanto o físico? Tem como os dois andarem separados?
Acredito que tanto as habilidades socioemocionais quanto as físicas e técnicas são fundamentais para um atleta de alto rendimento e devem andar juntas. Entre essas habilidades, cada pessoa possui alguma que se sobressai mais que as outras, porém todas elas exigem um alto nível de preparação mental. Se ela estiver desalinhada, tudo irá desalinhar também.
O que você faz para cuidar da sua saúde mental?
Atualmente, faço acompanhamento com uma psicóloga esportiva, a Maíra Ruas. Além disso, gosto de estar e conversar com pessoas que me façam bem e de possuir hábitos positivos para meu corpo como um todo, como ler livros, assistir a filmes, escutar músicas e podcasts divertidos e motivadores, estar com meus gatos e cachorros, e praticar exercícios.
O que você faz para se manter motivada mesmo quando o caminho parece tão longo? Pode nos contar sobre um momento em que o sonho parecia distante e como você encontrou a força para continuar?
Estou no esporte de alto rendimento há mais de 20 anos. Nunca senti que cheguei onde podia, até hoje sinto que ainda há um longo caminho pela frente. Porém, nesses momentos, apenas busco mudar o foco para o que estou fazendo agora, reconhecendo que fiz o meu melhor até então e que foi e é suficiente, pois é o que tenho controle; já o quanto falta ou o que está por vir, não tenho como controlar.
Um dos pensamentos que tive após a derrota no pré-olímpico continental foi de encerrar a minha carreira. Naquele momento, pensei que a vaga olímpica era um sonho irreal e achei que todo esforço havia sido em vão. Sem dúvidas, as pessoas que mais amo foram a minha força para continuar e me fizeram entender que eu poderia seguir tentando de uma forma mais leve, com menos autocobrança, e que estariam felizes se eu estivesse feliz.
Qual conselho você daria para jovens atletas que estão começando agora e sonham em alcançar o nível que você alcançou?
Meu conselho é: faça o seu melhor todos os dias, estando presente em cada ação que se propuser a fazer. Certamente, não conseguirá a melhor performance da sua vida todos os dias, mas saberá que performou o melhor que poderia naquele dia.
Qual foi o momento mais memorável da sua carreira até agora e por quê?
Acredito que tenha sido a conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2023, com meu noivo, meus pais e minha sogra presentes no ginásio, e meu irmão comentando a transmissão da final na CazéTV. Foi uma alegria inexplicável vivenciar esse momento ao lado das pessoas que mais amo e que sempre estiveram comigo.
Quer conhecer mais sobre o LIV e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais? Confira mais nas redes sociais e fique ligado nos próximos episódios do Sinto que Lá Vem História.
O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.