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Os pais estão preocupados com a filha ter mais autonomia.

Autonomia: o dilema das famílias ao observarem verem seus filhos crescendo

Em entrevista por áudio, a psicóloga e consultora do programa LIV Fernanda Borges fala sobre a pré-adolescência e como essa fase da vida impacta as relações familiares

Acontece quase sem ninguém perceber. Um dia, a família acorda e aquela criança pequena que morava com eles até a noite anterior se foi, dando lugar a um novo indivíduo que, para muitos cuidadores, é um desconhecido. E, para além das mudanças físicas, chegam também as alterações no comportamento e a necessidade de mais autonomia.

O fato é que ninguém passa ileso pela fase da pré-adolescência. E para Aparecida Mathias, mãe de duas meninas de 13 anos, o estranhamento pelas mudanças veio em dobro. 

Ao blog do LIV, ela disse que, para além do crescimento e mudanças na aparência das filhas, notou um “maior desapego quanto a certos brinquedos e novos gostos em relação ao vestuário, programas de TV e leitura”.

Por mais novidades que a chegada dessa etapa da vida leve para algumas famílias, tudo faz parte de um processo de crescimento. Portanto, é completamente normal a família ver-se diante de novos dilemas.

Às vezes, o maior desafio está nos pais e responsáveis perceberem esse amadurecimento em curso. Mesmo quando ocorre diante de seus olhos, é comum que ainda enxerguem os adolescentes como crianças pequenas ou até como bebês. Alterar essa percepção — de alguém dependente para um indivíduo mais autônomo — pode despertar emoções desafiadoras nos adultos.

O que é autonomia na pré-adolescência?

A autonomia na pré-adolescência é a capacidade que a criança desenvolve de tomar pequenas decisões, assumir responsabilidades compatíveis com sua idade e aprender com as consequências, sempre com o apoio da família e da escola. 

A autonomia infantil envolve tanto os aspectos práticos do dia a dia (como organizar o material escolar ou escolher a roupa) quanto emocionais, como lidar com frustrações e expressar sentimentos.

Esse processo contribui para o amadurecimento, pois fortalece a autoestima, o senso de responsabilidade e a inteligência emocional. 

Quando bem estimulada, a autonomia infantil pode auxiliar o pré-adolescente a se conhecer melhor, a respeitar limites e a se preparar para desafios maiores da vida adulta, sempre equilibrando liberdade com segurança e orientação dos adultos.

Autonomia não deve ser independência total — é aprender com apoio

Ser autônomo é ter liberdade para se guiar por sua própria vontade e assumir responsabilidades. Mas isso não nasce do dia para a noite: a autonomia da criança é construída aos poucos, e envolve muitos aspectos.

Antes de tudo, é importante entender que a autonomia não significa deixar a criança ou pré-adolescente “livre para tudo”, nem esperar que saiba agir sozinho em qualquer situação. Muito pelo contrário: trata-se de criar um ambiente seguro em que possa:

  • Experimentar pequenas escolhas;
  • Tomar decisões compatíveis com a sua idade; 
  • Aprender com as consequências;
  • Ter a presença de adultos que acompanham, orientam e acolhem.

Como definir o limite da autonomia?

Um tema abordado por Kátia Cordeiro, consultora pedagógica do LIV, foi os limites da autonomia: 

Autonomia vai desde aprender a andar e falar até ajudar nos cuidados da casa, ter responsabilidades da escola e cuidar de si. Trata-se também de aprender a lidar com sentimentos, a errar e a acertar, e a suportar as frustrações”. 

Por isso, explica a especialista, é importante deixar o pré-adolescente experimentar algumas novidades, ter seus êxitos e fracassos, fazer escolhas e vivenciar o mundo com seu próprio olhar — sempre, é claro, garantido sua segurança física e emocional.

Precisamos lembrar que o caminho da autonomia não é uma linha reta. É preciso paciência para o aprendizado. É importante que os diálogos da família com os pré-adolescentes e adolescentes aconteçam sem julgamentos, para nutrir real interesse em suas falas, ideias, pensamentos e sentimentos”, diz a especialista. 

As mudanças vindas com a pré-adolescência

A pré-adolescência marca uma virada sensível no desenvolvimento das crianças — e, por extensão, na vida das famílias. “Observar os filhos crescendo é uma jornada incrível, porém cheia de desafios”, nos lembra Kátia Cordeiro (Psicóloga e Consultora Pedagógica do LIV). 

A transformação costuma ser intensa: a criança que antes aceitava com naturalidade as orientações dos adultos passa a querer explorar o mundo à sua maneira. Nesse momento, a complexidade da autonomia se impõe com força. 

Como guiar sem controlar? O que fazer para proteger sem “podar o voo”? Não há resposta única, mas a escuta e a confiança no processo são bons pontos de partida. “É natural que, na ânsia de poupar nossos filhos de frustrações, acabemos por superprotegê-los”, alerta Kátia. 

Esse movimento, embora bem-intencionado, pode impedir o amadurecimento que tanto desejamos para eles. A construção da autonomia, como Kátia destaca, é um percurso contínuo, feito de pequenas decisões, responsabilidades compartilhadas e, acima de tudo, espaço para errar. 

Estabelecer limites claros, mas flexíveis, é uma forma de reconhecer o momento de vida em que cada criança se encontra, respeitando sua capacidade de compreensão e participação nas decisões.

Nesse cenário, o diálogo é a principal ponte entre orientação e liberdade. Ferramentas como a Comunicação Não Violenta (CNV) podem ajudar a transformar conflitos em oportunidades de conexão e aprendizado. 

Kátia nos convida a enxergar o comportamento das crianças não como desafio à autoridade, mas como expressão de necessidades não atendidas. Validar sentimentos, mesmo diante de comportamentos difíceis, é um ato de coragem emocional. 

Como ela bem resume, esse caminho não vem com fórmulas prontas, mas é nessa caminhada, lado a lado, que pais e filhos crescem juntos.

Como a escola pode estimular a autonomia nessa faixa etária?

Autonomia: o dilema das famílias ao observarem verem seus filhos crescendo -LIV Inteligência de Vida

Se a casa pode ser encarada como o primeiro território da autonomia, a escola funciona como um espaço propício para exercitá-la. Nesse espaço, a criança vivencia experiências sociais que ampliam a sua visão de mundo e exigem que ela se relacione com regras, rotinas e pessoas diferentes.

Por isso, a escola tem papel essencial no estímulo à autonomia: desde o incentivo à participação em decisões do cotidiano escolar, por meio de combinados, até o fortalecimento da voz dos alunos nas discussões sobre convivência, aprendizagem e resolução de conflitos.

Nesse movimento de permitir que os adolescentes desenvolvam sua autonomia e façam suas próprias escolhas, em diálogo com seus responsáveis, a escola é uma parceria importante. Para muitas crianças e adolescentes, esse pode ser o único espaço em que estão longe dos seus responsáveis. 

E isso abre uma oportunidade valiosa: a de viver experiências diferentes das que costumam ter em casa. Ao interagir com colegas, professores e outros profissionais da escola, os alunos se deparam com histórias, jeitos de ser e de pensar que podem ampliar seu olhar sobre o mundo. 

Cada nova amizade, cada troca de ideia, pode ajudar a construir pontes. Além disso, é nesse ambiente que muitas decisões começam a ser tomadas de forma mais autônoma: desde como participar de uma brincadeira no recreio até como organizar o próprio tempo para aprender algo novo em sala de aula. 

Não há uma receita, nem um jeito certo de viver tudo isso — mas há, sim, um espaço fértil para cada um explorar, no seu ritmo, formas de se relacionar consigo, com os outros e com o mundo.

O papel das famílias no incentivo à autonomia

Em casa, pais e responsáveis podem ser grandes aliados nesse processo. Isso começa com pequenas atitudes do dia a dia, como permitir que a criança escolha entre duas opções de roupa para vestir, organize sua mochila escolar ou ajude a preparar a própria lancheira.

Situações como essas são grandes oportunidades para as crianças praticarem a autonomia e entendam sobre  consequências, limites e liberdade com responsabilidade. Além disso, esses momentos mostram para a criança que a sua voz é ouvida. Que sua opinião importa. Que pode colaborar com o cuidado do lar e tomar decisões que afetam sua vida.

É claro que haverá erros — afinal de contas, eles fazem parte do processo de aprendizado de todos nós. Por isso, apoiar a criança a aprender com as falhas, em vez de evitar que aconteçam a todo custo, também é parte fundamental do processo de amadurecimento.

Como reforça o CEO do LIV Caio Lo Bianco, o desenvolvimento da autonomia não deve ser o objetivo final da educação, mas sim uma consequência natural de um processo de amadurecimento emocional e social. Isso nos lembra que cada criança tem seu próprio tempo e que o papel dos adultos é acompanhar, e não apressar, esse percurso.

Autonomia é um processo amplo e coletivo

Embora a autonomia seja algo individual, o seu desenvolvimento é coletivo. Envolve as relações familiares, as práticas pedagógicas da escola, os espaços urbanos e até as expectativas culturais sobre a infância.

Por isso, é fundamental que todos — familiares, educadores, cuidadores — estejam abertos a essa construção conjunta. Apoiar o desenvolvimento da autonomia de uma criança não é tarefa solitária. Exige escuta, confiança e disposição para rever práticas.

Aliás, é comum que o processo de conquista de autonomia pelos filhos desperte medo nos adultos. O receio de ver a criança se frustrar, machucar ou “crescer rápido demais” é legítimo. Sobre isso, a velejadora Tamara Klink, em conversa exclusiva com o podcast do LIV, defende que às vezes é preciso enfrentar os medos — os nossos e os dos outros — para permitir que a vida aconteça.

Se tivesse escutado somente os alertas externos, Tamara não teria vivido as aventuras que a fortaleceram. Da mesma forma, crianças que possuem espaço, apoio e segurança para explorar o mundo se tornam mais preparadas para navegar entre as incertezas que fazem parte da vida de todos nós.

Pensar, sentir e agir com mais consciência

Promover a autonomia infantil é, também, estimular o autoconhecimento. E aqui entra uma peça-chave: a inteligência emocional. Ao aprender a identificar emoções, reconhecer o impacto de ações em si e nos outros e tomar decisões mais conscientes, a criança pode se tornar protagonista de sua própria história.

Esse é um dos grandes ganhos de quem cresce em ambientes que promovem a autonomia: a capacidade de agir de forma mais responsável, respeitosa e empática. Ao se conhecer melhor, a criança tende a aprender a se posicionar, a lidar com conflitos e a buscar soluções de forma mais construtiva.

Para finalizar: por que apostar na autonomia infantil?

Quando incentivamos a autonomia da criança, estamos cultivando muito mais do que pequenos atos de independência. Estamos preparando o terreno para que ela se torne 

uma pessoa consciente sobre seus próprios desejos e escolhas, bem como responsáveis pelas possíveis consequências.

O LIV é o programa brasileiro referência em educação socioemocional presente em escolas em todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.

Gostou desse artigo sobre autonomia na infância? Veja outro conteúdo do LIV que você pode gostar: E-book —  o cuidado de si e a conquista da autonomia: uma reflexão para famílias.

Artigo: Regras e limites na psicologia | primeira série do ensino médio | livro do 2 ano do ensino fundamental




O LIV – Laboratório Inteligência de Vida é o programa de educação socioemocional presente em escolas de todo o Brasil, criando espaços de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo.